Estas datas comemorativas, se vistas do ponto de
vista consumista, são um verdadeiro caos. Já passava das 21:00h, eu havia
trabalhado o dia todo e, antes de ir para casa prometera levar o “peixe” e os
tão famosos ovos de Páscoa. Irritado, cansado, precisando de um banho, com fome
e na fila do caixa de um supermercado lotado.
Até para conseguir uma vaga no estacionamento eu
pagara todos os pecados do mês inteiro. Era um inferno estar ali.
Ou melhor, quase um
inferno!
A única coisa que me fazia suspirar, num quase sem
sentir, em meio a todo aquele cenário desfavorável era a bela visão daquela
anja ruiva, bela e sutilmente sedutora que estava a minha frente na fila. O
perfume dela adentrava em minhas narinas e enquanto o caixa estava parado
esperando troco eu a imaginava despida, a meia luz, com um sorriso matreiro e
aquela carinha de pidona que toda mulher sabe fazer quando quer ser carinhosa
com seu macho.
Quando o fiscal de caixa chegou com mais troco a
realidade me bateu com força e a fila andou. Ela passou suas compras, colocou o
cartão na máquina ao mesmo tempo que seu celular tocou. Pegou ele com uma mão e
com a outra digitou sua senha. Parecia ser seu namorado e, pela cara de triste,
aparentemente ela levara um bolo naquela noite. O sorriso se desfez e ela meio
sem jeito, perdeu-se entre o cartão, as compras, o celular, a bolsa e o
burburinho do mercado cheio.
Eu, já na boca do caixa e assustado com a tela do
computador, onde os valores não paravam de subir, respirei aliviado quando a
menina parou de passar produtos e totalizou. Entreguei-lhe meu cartão e esperei
o empacotador me entregar o carrinho com minhas compras.
A ruivinha dos meus sonhos mais recentes ainda
guardava suas coisas e se organizava quando a menina do caixa colocou meu
cartão sobre o check-out, desejou-me Feliz Páscoa e chamou o próximo. Neste
ínterim foi que nossos olhares se cruzaram, pois nossas mãos quase se tocaram
quando ambos fomos pegar nossos cartões sobre o balcão. Eu tive um segundo para
dizer algo e quase gaguejando falei baixinho:
— Feliz Páscoa prá você.
Ela, com um sorriso amarelo meneou a cabeça em
retribuição e foi-se.
Entrei em meu carro com minhas compras e segui
minha rotina. A sexta-feira entre familiares, com direito a peixe assado e
vinho transcorreu como de costume e o feriado, prá variar acabara tornando-se
cansativo e curto. Sábado cedo, dia de queimar algumas calorias em uma corrida
curta, mas que funcionava quase que como um ritual rejuvenescedor para mim. No
caminho de volta passaria no mesmo mercado para pegar o pão e algumas coisinhas
que haviam faltado. Quando cheguei novamente no caixa foi que percebi que o
destino estivera colocando seu dedo mágico em minha vida.
Ao pagar com o cartão, a senha não entrava e,
depois de duas tentativas mal sucedidas, retirei o cartão da máquina e paguei
em dinheiro. Qual não foi minha surpresa ao passar os olhos no cartão e
verificar que não era o meu nome que estava impresso lá e sim Fernanda.
Juro que fiquei pasmo por um instante e, na velocidade
de um raio, toda a cena veio a minha mente como um flash. A garota do caixa
falava comigo e eu sequer prestava atenção. Aquele “Senhor,... senhor,...”
ecoava e entrava baixinho em meus ouvidos.
— Senhor, fale com o fiscal. No outro dia uma moça
reclamou que seu cartão havia sido trocado e deixou alguma orientação para o
caso de aparecer alguém com o cartão dela. Deve ser este que está sem suas
mãos.
Realmente. O fiscal tinha o telefone de Fernanda e
um bilhete pedindo para que entrasse em contato tão logo constatasse o
equívoco. Meu coração disparou naquela fração de segundo. Eu sabia quem era ela
e que o destino conspirava a meu favor.
Marcamos para o sábado a tarde, num bar próximo a
praia, onde trocaríamos nossos cartões, embora por precaução, eu já houvesse
cancelado o meu via internet, coisa que Fernanda também deveria ter feito.
Afinal, éramos dois estranhos.
Quando aquela ruiva chegou, eu juro que me faltou o
ar. Ela vestia uma calça jeans, destas que se ajustam ao corpo e ressaltam cada
pedacinho da delícia que era aquela mulher, uma blusinha simples, mas de muito
bom gosto, não era transparente e nem recatada. Pouca maquilagem e, um sorriso
desconcertado de quem havia cometido um pecado grave.
Ela sentou-se, apresentou-se e apressou-se em puxar
meu cartão de sua bolsa e desculpar-se pelo mal entendido daquela noite. Eu
apenas a observava até então. Mas estava na hora de dizer algo.
— Calma Fernanda. Foi um acidente. Acontece. Seu
cartão está são e salvo. Não precisa se desculpar. Falei eu.
— É, mas eu sou meio desajeitada as vezes e tenho
esta mania de fazer tudo ao mesmo tempo. As vezes dá nisso né Carlos.
Respondeu-me ela com um certo rubor na pele.
— Veja pelo lado positivo. Estamos aqui e não
estaríamos se o acaso não tivesse conspirado a nosso favor. Retruquei.
— Ei Carlos. Olha, eu agradeço, me desculpo, mas
veja bem, tenho namorado e não estou prestando atenção no acaso. Não me cai
bem. Perdoe-me.
— Me desculpe. Eu apenas não pude resistir aos teus
encantos naquela noite e, apesar de todo aquele caos me fez bem te desejar
Feliz Páscoa e, é claro, não pude deixar de notar que você e seu namorado não
estavam se entendendo. Isso ficou óbvio.
— Você não entenderia. Melhor deixar assim. Ele me
ama, mas é um sujeito muito ocupado e isto as vezes me deixa bolada. É só isso.
— Tudo bem Fernanda. Eu não quero te constranger.
Gostaria apenas que você soubesse que é linda, é altamente desejável e que
talvez,... Mas só talvez, devesse se dar mais chances. Quem sabe alguém um
pouco menos ocupado possa te fazer companhia por algumas horas. E se valer a
pena, isto pode vir a repetir-se.
— Você não deveria agir assim. Ando carente e estas
propostas mexeriam com qualquer mulher. Mas não é certo! Emendou ela, já sem
tanta convicção.
— O convite está feito. É sábado e se você está
aqui é por que seu namorado ocupado não vai poder vê-la. Já eu, neste final de
semana, tenho todo o tempo do mundo e ninguém para me acompanhar.
— Mas,...
— Tire-me da monotonia, ao menos nesta Páscoa. Se
não quiser me ver depois disso, prometo sequer te ligar.
— Está bem. Você venceu Carlos. Finalmente
concordou ela.
Anotou seu endereço num guardanapo da mesa do bar,
rabiscou algumas coisas no verso e afirmou com um sorriso gostoso.
— Pegue-me daqui a duas horas. É só o tempo de
tomar um banho e trocar de roupa.
Fernanda
despediu-se com um selinho. E o que parecia impossível naquela fila a dois dias
atrás, aos poucos tornava-se a minha doce realidade e o melhor presente de
Páscoa da minha vida.
(continua)
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